terça-feira, 6 de outubro de 2009

"PRESS RELEASE" DO SIPE



Educação Sexual – Entrevista a Manuel Damas, Médico, Professor Universitário e Sexólogo, Formador do SIPE na área da Educação Sexual.


1. Mesmo sem conhecermos ainda o programa a adoptar pelas escolas portuguesas no âmbito da Educação Sexual, há Professores que já receberam formação nesse sentido.
Assim sendo, até que ponto é que os Professores que já receberam formação estarão realmente preparados para aplicar um programa que ainda desconhecem?

Há muitos Professores que, ao longo do tempo, foram recebendo formação na área da Educação Sexual.
Há, inclusive, muitas instituições com responsabilidade no âmbito formativo que, desde cedo, se preocuparam com a formação da população docente, especificamente na área da Educação Sexual.
Entre estas não poderei deixar de referir a APF que já tem longo e credível historial neste tipo de formação.
Mas também nós, aqui no SIPE, através do seu Centro de Formação, disponibilizámos aos nossos Associados, Cursos de Formação creditados, na área da Educação Sexual. Mas isto foi feito porque sabemos que esta é uma temática que se direcciona para algo de tão específico, sensível e próprio, como é a área das Sexualidades e dos Afectos. Foi, sempre, nossa preocupação “major” a vertente da Educação Sexual que, cremos, por acto de maturidade e, acima de tudo, de cidadania, acabará, mais tarde ou mais cedo, por se impor na Sociedade.
Respondendo mais directamente à sua pergunta, os Docentes que receberam formação na área da Educação Sexual adquiriram competências vastas que os tornam aptos a leccionar estas matérias tão sensíveis.
Acima de tudo estão preparados e disponíveis para ensinar a universalidade do Direito à Felicidade.
Como tal, a título de conclusão, depois de anos a tentarem descredibilizar a Docência em Portugal, eu quero afirmar, sem tibiezas, que confio na qualidade da maioria dos nossos Docentes, independentemente das condições tantas vezes complicadas em que têm vindo a exercer a sua nobre profissão.
Quero mesmo afirmar que, enquanto docente, tenho orgulho na classe a que pertenço.

2. O programa para a Educação Sexual será adaptado à medida das diferentes idades dos alunos. Contudo, em idades jovens, muitas crianças da mesma idade desenvolvem-se a ritmos diferentes. Pode correr-se o risco de estar a ensinar às crianças um programa desajustado face à sua maturidade?

O Programa de Educação Sexual terá que ser, logicamente, direccionado para cada uma das faixas etárias a que se destina. Ninguém se poderá atrever, por exemplo, a ensinar métodos anticoncepcionais a crianças do ensino básico, apenas para dar um exemplo.
No entanto não se esqueça que navegamos, neste momento, totalmente no escuro. O Ministério da Educação lançou a nova lei da Educação Sexual nas Escolas, em Agosto e, desde então, falta toda a regulamentação que a vai sustentar.
Isto tudo para dizer que não se sabem bem, ainda, quais os itens programáticos específicos a abordar.
Há quatro anos elaborei e publiquei num jornal diário português com quem colaborava na altura, um detalhado programa de Educação Sexual. Este tinha um tronco comum, um esqueleto, um fio condutor, sobre Educação Sexual que, depois e de forma lógica, tinha ramificações programáticas diversas, adequadas às diferentes faixas etárias e aos diferentes graus de ensino a que se destinariam. Foi um trabalho complicado e complexo, em que gastei/ganhei muitas horas de reflexão, mas está tudo pronto. Falta, logicamente, a vontade politica para o aplicar no terreno, em concreto.
Eu trabalho em Sexologia há vinte anos.
Já fiz investigação clínica em países tão diferentes como os EUA, a França e a Espanha.
Que me seja dado o benefício da dúvida de que manuseio com alguma facilidade e, porque estou no terreno, as idiossincrasias das Sexualidades.
Não podemos continuar a usar argumentos grotescos.
O programa de Sexualidades está feito.
Há docentes com formação pós.graduada na área, de forma criteriosa e credível.
Falta, apenas e tão só, coragem e vontade politicas.
E causa revolta o facto de ter havido, recentemente, um Governo com maioria absoluta na Assembleia da República e que nada fez, em concreto, pela Educação Sexual, para além de um trajecto titubeante e aos ziguezagues, denotando falta de ideias, de conceitos e, acima de tudo, de vontade.
Regressando à sua questão, evidentemente que as turmas não são homogéneas quer em termos de conhecimentos quer mesmo em termos de desenvolvimento. Mas isso é um realidade indubitável, que tanto acontece na Matemática, como no Inglês, como na Educação Física...e tal facto gere-se!
A arte da Docência está, também, em saber aproveitar esse polimorfismo, não apenas de evolução, mas também social e cultural, com o intuito de produzir um trabalho profícuo.
E, para isso mesmo, estão os nossos docentes, de qualquer grau de ensino, preparados e habilitados. São profissionais, na grande maioria, com vasta experiência no acto de informar/formar e estão traquejados na forma ergonómica de gestão destas especificidades.
Não será, na realidade, por esse motivo, que a Educação Sexual não irá em frente ou que o fará de forma disfuncional. Esse é mais um argumento falacioso, que não colhe. E os meus colegas docentes sabem perfeitamente do que estou a falar.
Digo-lhe mesmo...sou docente universitário há 20 anos e nunca encontrei uma turma homogénea, nem o queria, sequer. Seria uma monotonia.
É este leque de experiências, de velocidades, de origens, de maneiras de ser e de estar, que enriquecem o acto de ensinar, tornando-o um desafio compensador.

3. Até à data, todos ‘vivemos’ numa escola sem Educação Sexual, tendo aprendido sobre o tema com recurso às mais variadas fontes. Hoje, num mundo globalizado e ‘ligado à Internet’, os jovens têm acesso facilitado à informação, mas estão também expostos a todos os perigos que a Internet comporta.

Neste sentido, qual o papel da escola na gestão dos vastos conteúdos de informação a que os jovens de hoje têm acesso? O que é que a educação sexual poderá ensinar aos jovens que eles ainda não saibam?

Vivemos, sem dúvida, numa aldeia global em que a informação se encontra à distância de uma tecla.
Todavia estamos, também, numa era de excesso de informação, nem sempre correcta ou, muitas vezes, disponibilizada de forma incorrecta e não pedagógica.
O difícil é, precisamente, conseguir efectuar a destrinça entre a verdade e a inverdade.
Também no domínio da Educação Sexual tal facto se verifica.
Assim sendo compete à Escola desmistificar mitos e desconstruir estereótipos, denunciando as mensagens e as informações erradas.
Na realidade os jovens têm, já, alguma informação mas, muitas vezes, mal gerida, incorrectamente disponibilizada e muitas vezes erroneamente direccionada. A informação quando errada pode ter um enorme efeito pernicioso, pelos mitos que “vende”, de forma desenfreada. E isso verifica-se em questões complicadas e sensíveis como, por exemplo nas questões da orientação sexual e da identidade de género onde, maioritariamente e sem se aperceberem, os jovens são, demasiadas vezes, condicionados e direccionados na sua interpretação, integração e aceitação dos factos.
O Marketing e a Publicidade ainda hoje propagam e rapidamente difundem, mensagem erradas. A título de exemplo levanto a questão das dimensões penianas. A mensagem oficial continua a ser que as dimensões do pénis são garante de prazer e de primordial importância na constituição e na solidez de uma relação afectiva. O que é uma enorme inverdade, para não dizer, de forma absoluta, uma mentira. Repare, para que interessa um pénis grande, numa relação heterossexual, por exemplo, se apenas o terço externo da vagina é que é enervado e, como tal, só esta ínfima zona é geradora de prazer? Qualquer micro pénis é competente para atingir o terço externo da vagina...
E este é um exemplo, como tantos outros, que urge esclarecer e combater. E isso faz-se com a implementação da Educação Sexual, de forma sustentada e credível, no terreno. Dessa forma serão disponibilizadas às crianças, adolescentes e jovens, a informação e a formação correctas.
Não podemos esquecer que é precisamente nestas idades mais jovens que se instalam os mitos e os fantasmas inerentes às Sexualidades e aos Afectos. E são precisamente estes estereótipos que, geridos de forma errada, se vão tornar lapas, agarradas a todos nós e condicionando, para toda a vida, a nossa forma de ver e sentir, a nossa forma de viver e amar, condicionando, erradamente, os nossos Afectos.

4. Que benefícios poderá a sociedade portuguesa colher pelo facto de ter recebido Educação Sexual na escola? Daqui a 20 anos como estará formado, em termos de Educação Sexual, um indivíduo na sociedade portuguesa?

Leccionar Educação Sexual, neste momento, na Escola é um imperativo de justiça social, de dignidade na cidadania, de democracia. É, inclusive, uma questão de dívida com a História.
Não se esqueça que Portugal foi, e isto é raramente referido, um dos primeiros países a assinar, em 2005, a Declaração de Montreal “Saúde Sexual para o milénio”.
E esta mesma declaração mundial compromete-se, no seu ponto 4 “A promover o acesso universal à informação e educação integral da sexualidade”. E este ponto, subscrito por Portugal, vai mesmo mais longe quando afirma “Para obter saúde sexual é fundamental que todas as pessoas, incluindo os jovens, tenham acesso pleno a uma educação integral da sexualidade e à informação, bem como ao acompanhamento da sua saúde sexual durante todo o ciclo vital”.
Repare na hipocrisia da atitude portuguesa ao assinar este documento quando anda, desde 1984, com a Lei nº3/84, a tentar estabelecer uma posição que se quer séria, responsável e digna.
Não podemos, ainda, esquecer que a Lei nº3/84 estipula, especificamente, que “O Estado garante o direito à educação sexual, como componente do direito fundamental à educação.”
Isto em 1984...
Acresce que está perfeitamente provado que um ser humano que receba formação em Sexualidades e Afectos, de forma correcta e credível, pedagógica e reflectida, durante a sua infância, adolescência e juventude, chega à adultícia mais predisposto e capaz para saber amar em plenitude.
É tão simples quanto isto!
5. Já há muitos anos que se fala na implementação da educação sexual nas escolas. No início desta discussão levantava-se a hipótese de não possuirmos uma sociedade mentalmente preparada para abordar o tema.
Esta questão está hoje ultrapassada? Que outros factores explicam o sucessivo adiamento da implementação desta medida?

Neste momento temos uma grande maioria da sociedade sensibilizada e disponível para a implementação da Educação Sexual no sistema educativo.
E isso sente-se, de forma clara, por quem se encontra no terreno.
Sinto-o nas aulas que dou, mas consultas que faço, nas conferências que profiro.
Repare...há três anos que tenho um programa televisivo, na Porto Canal, semanal, com duração de uma hora, em directo.
Chama-se, como sabe, “Sexualidades, Afectos e Máscaras”.
Após três anos de emissões continuamos, orgulhosamente, a ser lideres de audiências, com uma média de 30 a 40 chamadas telefónicas por emissão. E as chamadas telefónicas não provêem, apenas, dos ditos centros urbanos. Recebemos chamadas telefónicas e mensagens de todo o Pais, do continente às ilhas. Isto é, também, prova provada, permita-me o pleonasmo, de que as Sexualidades e os Afectos continuam a ser uma área tabu, de que se fala envergonhadamente, vítimas de um suposto pudor que a Sociedade, a Cultura, a Igreja e a Família, ainda hoje se preocupam em disseminar...mas também prova que as pessoas têm dúvidas e problemas e que precisam e querem ser esclarecidas!
É o peso silencioso daquilo de que não se fala...Parece ser o peso envergonhado de dizer “Amo-te!”, independentemente da faixa etária, do sexo, da raça, das origens sociais e culturais, dos dados estato ponderais, da orientação sexual.
Posso dizer-lhe ainda que, recentemente, eu e outros elementos da sociedade civil, com responsabilidades dispares e com provas dadas de âmbito profissional, nos mais diversos sectores do tecido social, preocupados com este estado de coisas, com esta plasticidade afectiva, com esta propensão para o desamor, com esta atracção suicida para a genitalização dos Afectos e para a desresponsabilização dos actos afectivos decidimos criar uma Associação, a CASA – Centro Avançado de Sexualidades e Afectos. Esta Associação tem como princípios da sua Carta de Intenções:
- A Promoção da Igualdade;
- O combate de todos os actos discriminatórios, especialmente os de género;
- A denúncia de todas as formas de violência, inclusive a sexual;
- O apoio e divulgação de todas as diversas estratégias de vivenciar os Afectos;
- A exigência de uma disciplina de Educação Sexual na Escola;
- A luta pela universalidade do Direito à Felicidade.

Com vê é uma carta de intenções concreta e muito ambiciosa.
Posso dizer-lhe que, apesar de nos estarmos a situar no terreno de forma extremamente cautelosa, temos recebido enormes e consistentes provas de apoio.
Também isto é uma prova de que a população portuguesa está preparada e disponível para a integração da Educação Sexual nos curricula que urge, porque tarda.
E a última prova, para terminar, é que se não se sentisse esta mesma necessidade, este tema há já muito teria saído da agenda dos media.

4 comentários:

Biby disse...

Ólá!
Ao ler o seu post fez-me recordar algumas aulas de educação sexual que dei a pedido de algumas escolas de Gaia. A escola estava interessada (já que nesse ano várias adolescentes ficaram gravidas), os alunos tambem mas os pais colocaram imensos impedimentos á nossa intervenção: não queriam que se levasse preservativos para mostrar aos jovens (entre 14 e 16 nos)nem que se falasse de determinados tópicos. Na altura pensei que quem necessitava de aulas de educação sexual eram os pais desses alunos.
Se precisar de uma psicologa para a sua Associação com formação na area da sexualidade e mestrado na area do VIH/SIDA pode contar comigo.
Cumprimentos
BIBY

Manuel Damas disse...

Obrigado pela oferta.
Ficará em agenda.
:)))))))))))))))))))
Um beijinho enorme.

Gonçalo disse...

Tem um abraço meu no meu blogue. Apareça porque a causa é a mesma! :)

Manuel Damas disse...

Obrigado Gonçalo!