segunda-feira, 9 de junho de 2008

"O CIGARRO DO MEU DESCONTENTAMENTO"...


Custa-me, cada vez mais, compreender e aceitar a progressiva passividade e o nítido desinteresse com que a população portuguesa vai reagindo, desmotivadamente, aos sucessivos acontecimentos que vão marcando a actualidade portuguesa.
Portugal e o seu povo sempre souberam ser agentes de causas!
Fomos lideres de movimentos, prestámos lições de cidadania...demos mundos ao Mundo!
E tudo isto, afinal, porquê e para quê?
Receio que estejamos a evoluir no sentido da transformação numa terrível e amorfa osga gigante!
Estamos a criar um outro produto artesanal e tipicamente português...
A anémona nacional!
Os dias passam, substituem-se uns pelos outros quase sem ruído, deixam cair alguma espuma e os portugueses continuam autómatos, desinteressados, desatentos, sem espírito, sem alma, sem ânimo, sem motivação, sem projecto, caminhando em frente porque tem que ser, da mesma forma como se fosse para trás ou para um qualquer outro lado.
Quem me lê interrogar-se-à, legitimamente, sobre o motivo de todas estas invectivas acaloradas...
Relacionam-se, logicamente, com o mais recente escândalo, de todos aqueles que já ocorreram, protagonizados por este Governo.
Falo do rocambolesco episódio do cigarro de Sócrates no avião...poderia ser motivo para um “sketch”, perfeitamente enquadrado na linha da revista portuguesa, por ser tão revisteiro. Seria, até, cómico, creio.
É contra o episódio do cigarro primo ministerial que se insurge esta crónica.
E não me gritem que já estão fartos do assunto, porque não aceito.
E não me repliquem que é um não-assunto, porque não compreendo.
Até porque, por questões muito menos importantes, diversos responsáveis internacionais viram-se obrigados a uma demissão célere e irreversível.
Eu sei que, em Portugal, essa questão já não se põe, e cada vez menos...infelizmente.
Parecemos ter enveredado por uma desresponsabilização dos responsáveis, pela descriminalização dos erros cometidos pelas autoridades...
Mas analisemos a questão friamente.
O Primeiro Ministro português fumou mais do que um cigarro, no decurso de uma viagem de avião, em deslocação oficial, acompanhado por outras entidades e altos responsáveis.
Conhecido o episódio, rápidas foram as desculpas...
Mas...
Em primeiro lugar, o episódio que aconteceu, não devia nem podia ter acontecido. Fica no ar a suspeita de que os detentores de cargos públicos se consideram acima da Lei, o que perverte a ligação entre o Estado, os seus responsáveis e as Leis que os regem, abrindo a porta a novos incidentes.
Por outro lado, não é nem pode ser legítimo que um Primeiro-Ministro alegue o desconhecimento da Lei até porque é o mais alto responsável pela governação do País e, como tal, pelo estrito cumprimento das Leis.
O Primeiro-Ministro não pode desconhecer a Lei!
E se a desconhece, cumpre ao seu Gabinete, nomeadamente às largas dezenas de assessores que o constituem, suprir a deficiência de informação/formação. Mas também não pode alegar que desconhece a Lei, por duas ordens de razões...o desconhecimento na Lei não inocenta uma falta, em primeiro lugar e, em segundo lugar, ninguém desconhece uma Lei que foi proposta e aprovada por sua própria iniciativa.
Mas continuemos.
Mesmo a nível psicológico o Primeiro Ministro não diz a verdade quando alega desconhecer a Lei porque, quando vai fumar, fá-lo de forma escondida, atrás de uma cortina, assumindo, nitidamente, a ilegalidade do seu comportamento. Até porque, como demonstra a Psicologia Básica, quando uma pessoa não sabe que um comportamento é ilícito, não necessita de o esconder.
Acresce ainda o facto de que o Primeiro Ministro esboçou uma tentativa de vitimização, parecendo querer acusar outros de um suposto julgamento na Praça Pública mas, rapidamente se apercebeu que seria útil e cauteloso inverter a estratégia, pelos danos colaterais que ameaçavam estalar.
Assumindo o papel de protagonista de uma comédia de baixo orçamento, vem José Sócrates, por último, pedir desculpa ao País e dizer que vai deixar de fumar quando, se queria enveredar por esse ridículo atalho, então o mais legítimo seria mesmo pedir desculpa pela falta e assumir que ia passar a cumprir a Lei.
É toda esta lista de enormes falácias que me conseguem irritar profundamente!
Irrita-me o episódio em si!
Irritam-me os protagonistas pela despreocupação com que falham, incumprimento atrás de incumprimento e não me obriguem a repuxar o caso Moderna, entre tantos outros!
Mas irrita-me, principalmente, o facto do Povo Português não ver as evidências ou, mais grave ainda, ver e não se importar.
Parece ser a demissão de um povo, de reclamar, de se insurgir, de não aceitar que haja dois pesos e duas medidas no cumprimento das leis mas, acima de tudo, o facto de parecer que o Povo, enquanto massa anónima, deixou de se importar, desistindo.
E isso...
Isso é grave, muito grave, principalmente para a qualidade e durabilidade de uma Democracia.
Manuel Damas in "O Primeiro de Janeiro" a 17/5/2008

4 comentários:

BlueVelvet disse...

Querido Prof,
acabadinho de chegar, não vou arreliá-lo.
Mas, no dia 27 de Maio, fiz um post sobre este assunto, com o título " Não me deitem fumo para os olhos".
Se quiser passe lá pelo meu bistrô e leia.
Isto, independente, de concordar com tudo o que diz aqui, excepto quanto à ilegalidade do cigarro do senhor Sócrates.
Veludinhos azuis e cetins

Sandra T disse...

Professor, agora que isto caiu no esquecimento, porque o povo tem memória curta e selectiva, interrogo-me sobre o que terá acontecido ao jornalista que resolveu falar??...

Num país em que um primeiro que se diz engenheiro e chama mentirosos aos outros, já espero tudo... provavelmente o jornalista não volta a acompanhar o "sinhor inginheiro", ou coisa pior...

Manuel Damas disse...

ILEGAL!
ILEGAL!
ILEGAL!
Dahhhhhhhhhhhhh
;)))))))))

Manuel Damas disse...

Minha querida Sandra...tão certo como 2 e 2 serem 4...