segunda-feira, 9 de junho de 2008
"O PRÍNCIPE DOS MARES"
Passou por mim altivo e distante, mas gracioso.
Quase felino...
Alto e magro, escultural, seguia em frente, alheio a tudo e a todos, indiferente à realidade que o rodeava.
Percebia-se que era um rapaz-homem.
Pressentia-se nele uma única intenção, que se via no olhar, que se sentia no frémito que lhe percorria o corpo à medida que avançava, sem hesitações, com destino previamente definido.
A sua meta era única.
A pele tisnada pelo sol e o cabelo, dourado, revolto e rebelde, completavam o quadro.
Era um sobrevivente...
Era um animal da natureza...
Era um predador dos mares e percebia-se que sentia falta do seu meio ambiente...notava-se na quase ansiedade que o fazia acelerar a passada.
Debaixo do braço trazia uma prancha, comprida, que o completava, que o integrava, sendo impossível dissociar onde terminava o artefacto e começava o rapaz-homem...eram peça única, global, um todo!
Sobre a pele via-se uma outra quase pele, colada, presa, protectora, que se agarrava ao corpo de modo ímpar, parecendo ser impossível conseguir arrancar aquela outra pele, aquele conjunto perfeito de aparentes escamas fundidas, feitas de borracha.
A cabeça ia altiva, soberana.
O olhar, de esverdeado, era distante, denotando que a única intenção era, exclusivamente, conseguir chegar, na máxima rapidez, ao meio que ansiava e sentia seu.
Por detrás da cortina de pestanas e do olhar distante e altivo, majestoso, percebia-se um outro olhar, mais real, mais vivo e vivido, sofrido, quase gritado, testemunha de um passado que de tão dorido se tinha transmutado em presente, sempre presente, condicionante e castrador, permanentemente dorido, ferida ainda aberta...
Na boca levava um meio sorriso, quase irónico, mantendo-se superior aos olhares vorazes que, à sua volta, enxameavam, como se de uma colmeia se tratasse.
Antevia-se um intérprete sem igual, de um bailado invulgar e a sua caminhada continuava, decidida e determinada.
Comecei a segui-lo embebido, para tentar perceber o que se passava, intimamente ciente que iria testemunhar um momento único.
À medida que a cidade foi abandonando o cenário e se foi fazendo substituir pelo ambiente marinho, as passadas ganharam ainda mais velocidade e vida.
Alegraram-se...
Agora quase corria, esguio, gaivota andante, tentando calcorrear em rapidez, a distância que ainda o fazia estar inquieto.
Os pés, quase alados, tocavam ao de leve as areias, que se afastavam, permissivas, obedientes, incapazes de impedir ou atrasar o inadiável.
De repente, surgiu o mar...
Majestoso...
Forte...
Enorme...
Poderoso...
E o rapaz-homem parou...
Respeitador, mas sem submissão, quase iguais, contemplaram-se.
Em segundos pareceram avaliar-se...De um lado a força da natureza. Do outro a força humana.
Silêncio se fez e de repente se desfez.
O mar, parecendo submisso, soltou uma onda pequenina, uma quase carícia que veio até junto dos pés do rapaz-homem, primeiro como que cheirando, avaliando, identificando e, depois do reconhecimento efectuado, transformou-se em carícia, quase carinho...
Apercebendo-se da decisão, o rapaz-homem, ainda altivo, sorriu, e atirou-se à besta amiga.
Primeiro ao de leve, parecendo degustar o momento, até ao mais ínfimo pormenor. Depois, acelerando a velocidade, distanciou-se.
De repente parou, como se recordasse algo, soergeu-se, rodou a cabeça para trás, olhou-me, saudou-me, sorriu, assentiu com a cabeça e, uma vez mais, distanciou-se.
Eu, simples mortal, deixei-me cair na areia percebendo ter-me sido concedido o privilégio de contemplar um bailado que previa único.
Rapaz-homem e prancha, num corpo só, numa entidade indissociável, iniciaram o bailado.
Primeiro de leve, com grandes movimentos, amplos e abertos.
Logo depois estreitaram os gestos, aumentando a velocidade que os orientava.
Passaram a revoltear, rodopiar, saltar, aparecer e desaparecer, mergulhar para voltar a subir, num graciosidade ímpar. Era um bailado guerreiro, quase carinho, ancestral mesmo, de uma beleza atroz. Não interessava perceber quem possuía quem...o grau de relacionamento era bem superior a esse tipo de minudências que o ser humano gosta de definir para conseguir sobreviver. Bailavam ambos, ao sabor de uma mesma melodia, identidades iguais, parecendo exibir o prazer recíproco de, em conjunto, voltearem, um entrelaçado no outro, sem definição prévia de estatutos e papeis, porque plenamente desnecessários. Estavam os dois presentes, eram os dois protagonistas do mesmo bailado e apenas isso interessava porque, acima de tudo, estava a ser executado em liberdade e com Afectos, tão só e apenas.
Fiquei embevecido, com a beleza do quadro que me tinha sido permitido contemplar.
Penso mesmo que cheguei a adormecer.
Quando recuperei a consciência, já tudo tinha terminado...
O mar tinha recuperado a calma...
O rapaz-homem tinha desaparecido, intérprete único daquele bailado.
E eu...
Eu tinha ficado sozinho, no meio de toda aquela imensidão mas, mesmo assim, sorria.
Chamei-lhe Príncipe dos Mares.
Manuel Damas in "O Primeiro de Janeiro" a 24/5/2008
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8 comentários:
Muito bonito o quadro...
Parabéns Fique bem ;)
Sei...
Um abraço Ruy...
Queres falar?...
heheheheheh
Não foi neste blog que o dono disse que não sabia escrever????
Tá bem...
Beijinhos, veludinhos e cetins, tudo azul da cor do mar
Quebardolas...
:))))))))))))))
Cá bem no fundo acho que dou um jeitinho...
:)))))))))))))))))))))
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