domingo, 26 de novembro de 2006

reflexoes...

Da relação à ralação
Qual é a distância que vai da relação à ralação? Não, não estou em registo delirante. Refiro-me mesmo a como se passa do “Amo-te” ao “Odeio-te”! Viver em relação é complicado, é uma verdade axiomática, todos os sabemos e, até no caso da Eva e do Adão, as coisas não correram, decididamente, pelo melhor. Porém, esta crónica não se pretende constituída por frases redundantes. Mas é, para todos os efeitos, uma verdade insofismável que a vivência em casal é delicadamente complicada. Porque habitualmente são duas pessoas, diferentes, nos trajectos, nos gostos, nos percursos de vida, nas vivências, que a dado momento se unem e que, em princípio, de forma pedagógica, tentam efectuar uma aproximação, teoricamente recíproca, com o intuito da concretização de um projecto de vida comum. São gostos que se procura que convirjam. São afinidades que se tentam direccionar para um mesmo sentido. São vivências que se tentam, mais do que partilhar, compartilhar. São realidades espacio-temporais que se desejam fundir. São objectivos e metas que se miscigenam. Relembrando a frase “Eu sou eu e as minhas circunstâncias”, em relação tenta-se que as circunstâncias de cada um dos envolventes se tornem propriedade do casal e da circunstância que consubstancia a sua vivência a dois. Não me parece, contudo, esta a estratégia mais correcta e mais frutuosa para que dessa união nasça um projecto saudável de vida a dois. Não me compete a mim, neste momento e neste local elencar um conjunto de normas, leis, princípios, verdadeiras mezinhas miraculosas que assegurem o “E foram felizes para sempre”. Acresce o facto de que a vivência em relação não vem, infelizmente, com um manual de procedimentos em anexo. Até porque a vivência a dois não se compagina com estandardizações nem se resume a uma grelha de procedimentos. Convém, todavia, afirmar que a estratégia mais coerente talvez seja nunca esquecer que uma relação não pode desaguar no anular das duas vontades, dos dois gostos, dos dois perfis, para criar um pretérito tronco único, uno, indivisível. Quero com isto dizer que, apesar das negociações que, a dois e de forma madura, consciente, assumida e consensual se podem e devem efectuar, tal não poderá significar que deixem de existir dois percursos próprios, duas individualidades. Em relação, 1+1 não pode nem deve ser =1 mas antes = a 1 e 1. Tal coexistência não impede, contudo, que não se possa assistir a uma razoável adaptabilidade recíproca, a uma aceitável consonância, mas tudo o que vá para além disso poderá fazer perigar a capacidade de sobrevivência do projecto vida a dois ou, pelo menos, prejudicar o conceito de auto-estima e a estabilidade individuais. Em vez da sobreposição, será sempre preferível a negociação. Em vez da anulação a convergência aberta e disponível será, sem dúvida, mais frutuosa. A vivência a dois não pode nem deve representar a união de dois pólos, porque o risco de se anularem é grande, nem a fusão de duas realidades para a consequente criação de um projecto único, sendo preferível, desde que consensual, o limar assumido, coerente, transparente e participado de arestas, de divergências quando profundas e incómodas. Isto porque, a vivência a dois não se compadece com demasiadas facturas a pagar, ainda que a prazo e, neste deve/haver que é a vida, rapidamente se passa da relação à ralação, com todo o desgaste que inerente involução implica. in "O Primeiro de Janeiro" a 19-11-2006

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