terça-feira, 28 de novembro de 2006

Os meus alunos...

Com o passar dos anos de docência no Ensino Superior, fui aprendendo a identificar as técnicas, os rituais e a descodificar os registos que os meus alunos utilizam para falar comigo.
Não que seja um professor distante ou de difícil abordagem! Sempre fiz questão de criar e intensificar uma relação aberta com os meus alunos, dinamizando uma cumplicidade, que num primeiro momento os surpreende e depois os satisfaz, não significando, contudo, permissividade nos momentos de avaliação, que defendo exigentes e formais.
É possível ensinar sorrindo e com alguma irreverência, tentando desconstruir o estereótipo de que o professor do Ensino Superior tem de ser inatingível, impenetrável, doutoral, cinzento e quase esfíngico. Muito menos é necessária a pose de desdém, do alto de uma aparente sapiência, como que insultado pelas infelizes criaturas que ousaram incomodar o douto docente na sua caminhada de excelsa produção intelectual.
O Ensino Superior, em Portugal, para atingir lugar de pleno direito na aldeia científica global a que pertencemos, tem de ser exigente, transparente, assertivo e permanentemente actualizado.
Talvez por isso, a minha dupla postura com os discentes!
Dizia, acima, que aprendi a descodificar as mais diversas técnicas que se vêm repetindo e, por vezes, inovando com o tempo, que os meus alunos utilizam para me confrontarem com as suas dúvidas legítimas. E não me refiro a questões acerca da matéria leccionada!
São todas as outras, aquelas que implicam os tais rituais que aprendi a identificar com o tempo.
São olhares que se trocam durante as aulas, fugidios, que logo depois se desviam, com timidez, como que pedindo desculpa pela ousadia.
São posturas tensas, de quem quer e precisa de perguntar, mas que se encontra condicionado pela timidez gerada pelo próprio tema, que se supõe intocável.
É o corpo que, de repente, passa a não caber na cadeira, que muda de posição constantemente, intranquilo, preso de um frenesim que não se controla.
É um respirar mais agitado e um afogueado da face…um não encontrar lugar para as mãos que não param, irrequietas.
É um “preciso de ajuda”, tenso, preocupado, quase aflito! Todo um ritual de posturas, de olhares, de gestos suados…E, num repente, enfim ousado e tão estudado, tudo se resume à frase mais repetida, ciciada, de alguém que se aproxima e, com palavras tímidas, diz em surdina “Professor, tenho um problema na sua área”, quase pedindo desculpa pelo atrevimento!
Com esta expressão, arrancada a ferros, torturada, aflita, resumem todas as dúvidas, o desconhecimento, os tabus e os mitos que o Sistema e a Sociedade têm permitido perpetuar, na área das Sexualidades.
É o medo da ignorância, condicionado pela ousadia envergonhada...
São os mitos que se construíram e perpetuaram ao longo das gerações, geradores de ansiedade verdadeira e asfixiante, jamais descodificados com naturalidade e clareza.
São as dúvidas, genuínas, que se avolumam com os estereótipos que a Modernidade vende à exaustão.
É, enfim, todo o desconhecimento, natural, de quem não nasceu ensinado, e que não tem a quem perguntar, a quem acorrer, para saber.
É esta a nossa Sociedade que, travestida de modernidade, ousa ainda impor a hegemonia do silêncio, no que se refere às Sexualidades, impedindo oportunidades e espaços para as perguntas, dúvidas e incertezas, educando para os tabus e o pudor, fomentando a vergonha angustiada, daquilo que não se fala!
in "O Primeiro de Janeiro"

5 comentários:

Anónimo disse...

Boa noite.

A propósito dos seus alunos gostaria, a titulo de curiosidade, de saber se as ditas questões são colocadas maioritariamente por alunas ou alunos; e qual a pergunta mais frequente.

Parabéns pela inciativa, benvindo à Blogosfera.

Manuel Damas disse...

Obrigado pelas boas-vindas.
As minhas desculpas por só agora responder mas o ritmo de trabalho tem sido mais do que muito!
Quanto à população que mais questiona, depende do local.Normalmente nas aulas, são mais os homens, o que contudo nenhum significado estatístico tem, dada a elevada supremacia numerária do sector feminino. Nas conferências são sempre mais as mulheres que questionam, mas também são as que acorrem em maior número.Quanto ao tipo de questões enunciadas, não tem preponderância alguma, apesar de denotarem, sempre, a enorme lacuna que representa a falta de uma disciplina de educação sexual nos curricula.

Anónimo disse...

pois, um professor definitivamente distante, a léguas do que se espelha habitual no Ensino de hoje. Se por vezes mal interpretado, por vezes também é o "salvador" dos nossos dias de futuros enfermeiros em que nem tempo para respirar teríamos, não fosse esta uma necessidade básica para que possamos continuar a ser os seus "pastores".
Já que lá sou a "loura", aqui me apresento como Patrícia, para que no dia em que lhe perguntar o meu nome o prof não tenha necessariamente que ficar mal:-)
Se por detrás da sua capa de protecção alguém tentar discernir o que por lá vagueia...talvez seja uma caixinha de surpresas...a ver vamos:-)
até à próxima aula de semiologia!

Manuel Damas disse...

Santa Isabel dizia..." São Rosas, Senhor"!Eu plagio dizendo "São máscaras, minha cara"! :)

borroes disse...

O gang vem agradecer a humilde visita e comentário que nos deixou!! Sendo o núcleo duro do gang, ex sacrificados das suas aulas vimos contudo dignificar a sapiciência deste nosso prof. e eleger as suas aulas como as mais dinâmicas, mexidas e interessantes de todas as aulas que já tivemos!! Um bem haja pra si, e o gang agradece divulgação do nosso blog aos seus novos alunos e a sua participação no mesmo!!! Cumprimentos para o rei dos cogumelos, quer dizer, o pastor dos pastores!!