domingo, 15 de julho de 2007
PARA ONDE FORAM AS CARTAS DE AMOR?
Tinha estado a reler Fernando Pessoa, “O Rosto e as Máscaras”.
Terminara, uma vez mais, de tantas outras que se seguirão, estou certo, um poema sobre cartas de amor, da autoria de Álvaro de Campos, um dos vários heterónimos.
De repente, permiti-me voar, divagando e tentei reflectir sobre o Hoje.
Para onde foram as cartas de amor?
Caídas em desuso... É pouco!
Proscritas... Não chega!
Substituídas, vilipendiadas, assassinadas, pelas SMS e pelos e-mails!
E esta irreflectida atitude da modernidade trouxe, de forma implícita, uma mutação na verbalização dos Afectos.
Agora diz-se “Curto-te!”... Ou uma outra fórmula, supostamente mais afectiva “Curto-te, bué!” ou ainda, numa tentativa, de enfatizar, pluraliza-se o “Bué” e chega-se a “Bués”...
Mas estamos a falar de quê?
Queremos regressar à linguagem da caverna?
Queremos regressar à Idade da Pedra?
Queremos fazer renascer os grunhidos?
Falamos de Afectos?
Na forma de... “Curto-te”?
Mas “curtir” não se reporta a “pôr a curtir a pele ou o couro, ao sol”, no tempo em que, neste país, ainda existia indústria de curtumes?
Não era esse o significado de curtir?... O mesmo que crestar, secar, endurecer...
E o que significa “bué”?
B...U...É?
A palavra que encontro, mais próxima foneticamente e, mesmo assim, após grande esforço de pesquisa e alguma flexibilidade é... “bueiro”. E esta significa, penso eu, “buraco”, “esgoto”...
Não consigo, sequer, imaginar alguém dizer a outrem, em princípio seu objecto de afectos, em voz supostamente romântica, modernamente considerada melada... “Quero-te pôr a secar o couro ao sol...meu esgoto”! E, muito menos, que tal frase consiga ter significância afectiva!
E o “totil”?... Adjectivo outro que, muitas vezes, substitui o “bué”, creio eu que com o mesmo tipo de conotação afectiva e assumindo a forma “Curto-te totil!”.Trata-se de uma outra designação, anacrónica, mas que pretende deixar subentendido o mesmo tipo de afeição.
Usando idêntico processo de pesquisa fonética e semântica e excluindo, à partida, a expressão “total”, enquanto sinónimo de totalidade, por demais descontextualizada, apenas me ocorre a expressão “Tota” mas essa é a designação de uma entidade bancária.
Um momento!
Surge-me nova hipótese... “Total”... Mas essa reporta à empresa de distribuição de combustíveis com o mesmo nome.
Lamento!
Nem com toda a displicência do mundo...
Não consigo descobrir vinculação afectiva, emoção ou qualquer outro tipo de afeição em chamar a alguém o nome de um Banco ou de uma Gasolineira...
E encontro-me nesta terrível encruzilhada...
Época estranha esta em que a forma mais afectuosa de afagar alguém, verbalmente, reporta a entidades bancárias, empresas de distribuição de combustíveis ou actividades industriais já há muito caídas em desuso em Portugal.
Não!
Terminantemente, Não!
Irreversível e definitivamente, Não!
Maldita sejas, SMS que estás na Terra, criatura fria, seca, impávida, estéril porque sem afectos, asséptica, intocável, distanciada afectivamente!
A ti junto, inefável entidade, o teu outro companheiro de infortúnio, o e-mail.
Proscritos sejam, supostos arautos da modernidade.
Cá por mim, continuo a preferir o antiquadamente meigo “Amo-te”!
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Manuel Damas in "O Primeiro de Janeiro" em 15/7/2007
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3 comentários:
Eu tambem prefiro o antiquadamente meigo "amo-te",é tão mais bonito,tão mais sentido,,,
E,por vezes gosto de escrever umas cartas a pessoa que amo,porque é diferente,e realmente não tem a minima comparação com um sms...
Professor mais uma excelente cronica...
beijinho grande continuação de bom domingo
Obrigado, Joana.
Um beijinho e bom fim de semana.
Fantástico texto! Parabéns.
Partilho em absoluto do pensar e sentir nele é percorrido.
Beijinhos
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