domingo, 6 de maio de 2007

DOS AFECTOS AS RELAÇOES...



Será possível amar alguém mas, por vicissitudes várias, não conseguir concretizar os Afectos através de um relacionamento?
Depende!
Sabemos o peso que representa dizer, de forma consciente, “Amo-te!”.
Significa escancarar a janela da afectividade...
Se, contudo, não esquecermos que a relação perfeita não existe e se nos socorrermos de Aristóteles quando defendia o amor pela substância da relação, enquanto substrato e não pelo acidente do encontro, enquanto epifenómeno quase volátil, então sim, será plausível o estabelecimento, estruturado, de uma vinculação afectiva, com possibilidade de sucesso.
A criação de uma relação é como uma viagem da qual sabemos, sempre, o ponto de partida mas não conseguimos situar espacio-temporalmente a chegada e muito menos antever quais as paisagens, os cenários, os momentos que nos serão dados a contemplar. Para isso apela Roland Barthes quando fala no eterno desconhecido que encerra o nosso destino.
Quando se inicia uma viagem o primeiro momento imediatamente após o início é, já, totalmente desconhecido. A partir desse alfa, a janela de probabilidades abre-se, de rompante...
Assumindo que amar fragiliza, porque desnuda e expõe, assim como por todas as cascatas de consequências que desencadeia creio, ainda, ser possível acreditar no “foram felizes para sempre!”...
Não existindo regras de ouro ou protocolos de procedimentos que assegurem o êxito de uma vinculação afectiva, acredito ser imprescindível a assunção consciente do acto de estar em relação, ainda que de forma eternamente inconformada e atenta, no sentido da salvaguarda, intransigente, da identidade individual.
Frank Lynch fala de Ciclo Vital do Casal. Assim enuncia três fases de evolução de uma relação começando pela Fase de Fusão, em que se assiste a uma aproximação entre os intervenientes, no sentido da identificação. A esta segue-se a Fase de Realismo, com consequente afastamento entre as partes, na procura de espaços próprios. Finalmente, com a Fase de Equilíbrio, cumpre-se um novo processo de aproximação, agora mais consciente, mais reflectido e racional, não no sentido da fusão, mas na tentativa de encontrar um trajecto comum, ainda que individualizado, em paralelo, com saudável manutenção dos espaços próprios e inerentes à individualidade de cada um dos actores da relação.
Seria algo de muito similar, mas na esfera dos Afectos, à tríade que Hegel defende, de Tese, Antítese e Síntese ou mesmo na linha de Piaget quando enuncia Assimilação, Acomodação e Equilíbrio.
Ainda que uma relação seja como um bailado, o Bailado dos Afectos, é primordial não esquecer que cada passo deve servir de base, estruturada, a outros tantos seguintes.
A adaptação, enquanto ingrediente para a construção de uma relação, não deve pressupor, nunca, unificação mas antes evolução permanente da interacção afectiva desde que haja tempo, vontade, conhecimento recíproco, diálogo, respeito e, acima de tudo, capacidade de negociação. Será saudável que se assista a uma dupla integração da relação com rearranjo permanente dos papéis, entre o compromisso e a individualização. Isto para que não seja possível cair no anátema que Sartre enunciava do amado que esvazia o amante.
Conseguir esvaziar outrem pode implicar a falência da relação, pelo desencanto, pela rotina, pelo esgotamento da capacidade de descoberta.
Também aqui será fundamental a maturidade, psicológica e afectiva, capaz de ajudar à resolução de conflitos e, acima de tudo, à criação de consensos e ao desenho de novas estratégias.
Assumindo que a estrutura relacional é de extraordinária densidade e complexidade e que a criação de laços vinculativos implica a gestão permanente de identidades, espaços e poderes é possível assegurar a sustentabilidade dos Afectos desde que se participe, de forma activa, tranquila, serena e consciente num permanente renascer.
Em relação, a soma das partes é mais saudável e enriquecedora do que um todo miscigenado, amorfo, corrosivo e asfixiante.
Deste modo, conseguir-se-á passar dos Afectos às Relações, sem cair no pântano das Ralações.
Manuel Damas in "O Primeiro de Janeiro" a 6/5/2007

2 comentários:

Anónimo disse...

Já havia lido esta crónica esta manhã, mesmo antes de o professor aqui a colocar. Devo dizer que muito do que aqui escrever faz sentido quando encaramos a relação pelo seu lado racional/relacional.contudo, penso que muitas vezes o insucesso das relações está na ausência da racionalidade, na falta de confronto entre os sentimentos e a razão...
talvez...
não sei...

Manuel Damas disse...

Mas a crónica também refere isso, Patrícia. A dualidade entre a Razão e a Emoção.Um beijo