quinta-feira, 29 de novembro de 2007

JOÃO CESAR DAS NEVES


Li novas declarações de João César das Neves, uma das pretensa eminências da nossa ilhota lusa...

" A Internet é a maior colecção de insultos, boatos e disparates alguma vez reunida na história da humanidade!"...

Tendo em conta que as declarações de JCN são, habitualmente, uma sequência de alarvidades graves para quem tem obrigações sócio-culturais e profissionais, aqui recupero uma crónica que escrevi em 2005, especificamente sobre a dita iluminária...

Desde a época dos Descobrimentos, que procuramos uma nova vocação e um rumo!
Portugal continua, órfão, na permanente procura de um D. Sebastião que, regressado do nevoeiro, guie o País.
Mas eis que surge a solução!
Qual Cavaco, qual Sócrates?!
A solução esteve sempre, descobrimos recentemente, ao alcance do nosso olhar…um novo mentor, polifacetado, disponível, e Portugal, ingrato País, nunca o reconheceu!
Refiro-me ao guru, emissor de oráculos, o Professor Doutor, Economista, Engenheiro, Advogado, Médico, Psicólogo, Sexólogo e Teólogo, João César das Neves!
Aprendi a ler e a ouvir a douta opinião, na área da Economia, de JCN.
E logo eu, para quem conceitos como Produto Interno Bruto, Dívida Pública, Macroeconomia, Keynes e quejandos, me fazem ter plena consciência da dimensão da minha ignorância…
Pudera!
Apenas sou Médico, Sexólogo e Professor Universitário…
E o povo sempre disse: “Quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão”!
E se o povo diz…eu acredito!
O mesmo não se passa com JCN, insigne Professor Doutor, Economista, Engenheiro, Advogado, Médico, Psicólogo, Sexólogo e Teólogo.
Mas todas estas alegações, perguntarão os leitores, porquê?
Porque o Professor Doutor, Economista, Engenheiro, Advogado, Médico, Psicólogo, Sexólogo e Teólogo, JCN, resolveu conceder uma entrevista sobre uma das minhas áreas profissionais – a Sexologia.
Ficamos ansiosamente à espera de novas e ricas intervenções sobre a linearidade da construção em Siza Vieira, sobre a dinâmica do movimento na cinematografia de Manuel de Oliveira, sobre mecânica quântica ou sobre a etiopatogénese da gripe das aves…
Mas, enquanto esperamos, ansiosos, regressemos ao tema!
JCN falou e, do alto da sua veneranda sapiência, abriu a boca e disse…dislates!
E como esta crónica sobre Sexualidades também se pretende com carácter pedagógico, aqui estou eu a tentar corrigir o desconhecimento e as inverdades de JCN.
O tempo e a experiência ensinaram-me que quando um fala, os outros baixam as orelhas!
Há, todavia, quem ainda não o tenha aprendido ou, porventura, já o tenha esquecido.
Também porque a sabedoria popular dita: “Cada mocho no seu souto”, eu não falo, nem escrevo, sobre Economia, ou sobre outras áreas que não as minhas. Talvez por não saber ou por não querer arriscar a que me critiquem, me corrijam e, ainda por cima…com razão!
Ou talvez mesmo porque não me considere insigne pensador, polifacetada eminência, capaz de emitir juízos e pareceres sobre todas as áreas do saber, como o Professor Doutor, Economista, Engenheiro, Advogado, Médico, Psicólogo, Sexólogo e Teólogo, JCN.
Ninguém duvida que temos, todos, direito à opinião, conquista universalmente consignada. Todavia, JCN já não tem o direito, enquanto profissional relativamente consagrado na sua área e provável líder de opinião, de usar os media para construir, produzir e emitir conceitos, de opiniões feitos, com aspiração a teses que, por inverdades, induzem as pessoas em erro.
Até porque, estamos a falar de Sexualidades, objecto de estudo da Sexologia, também chamada Ciência Sexológica e aí, que se saiba, JCN não tem qualquer tipo de formação que lhe permita discorrer, de forma cientificamente estruturada!
Até porque JCN, pelo que diz, não sabe que, quando se fala de Sexualidade, dada a sua complexidade e multidisciplinaridade, se deve usar o termo no plural, Sexualidades, precisamente porque ninguém se pode arrogar o direito de definir um determinado comportamento sexual como correcto ou padrão, uma vez que a vivência das mesmas é como uma impressão digital, variando de indivíduo para indivíduo.
Até mesmo a OMS fala em saúde sexual como “a integração dos aspectos somáticos, emocionais, intelectuais e sociais do bem-estar sexual, no que eles podem enriquecer e desenvolver a personalidade, a comunicação e o amor”…e isto já em 1975!
Mas JCN vai mais longe, mesmo longe demais, quando falando de “comportamentos desviantes”, compara homossexuais a drogados, considerando-os doentes, ou quando afirma ser a Homossexualidade uma aberração e mesmo um comportamento desviante! E este tipo de afirmação torna-se tão mais grave, quando instituições internacionais como a Organização Mundial de Saúde, a UNICEF, a Associação dos Psiquiatras Americanos, entre tantas outras, ciclicamente produzem documentos, precisamente para esclarecer não ser a homossexualidade uma doença!
Recordo, só a título de exemplo, Michel Bozon quando diz “O reportório sexual alargou-se, as normas e trajectórias da vida sexual diversificaram-se, os saberes e as representações da sexualidade multiplicaram-se”!
Onde está, para JCN, o respeito pelo outro enquanto pessoa, e mesmo o direito à diferença?
E JCN continua e, para se tentar justificar, decide alterar a direcção da sua crítica, direccionando-a agora para o prazer e passo a citar: “esta cavalgada de uma sociedade que está cada vez mais obcecada pelo prazer”!
Mas porque será que a Humanidade terá de ser vergastada permanentemente com a dor e o sofrimento?...Ainda a pagar o dito pecado de Adão e Eva?
Ou será que o ser humano, no dizer de JCN, não tem direito ao prazer que Marguerite Yourcenar define como “tepidez, doçura, intimidade de corpos”?
E alega, ainda, que tudo isto prejudica a família…
Pois…a família, núcleo base da sociedade!...
O núcleo base da Sociedade é universalmente consignado, o indivíduo, que se pretende são de corpo e mente para, então sim, se bem o entender, vir a constituir o seu núcleo familiar, de uma forma madura, consciente, transparente e assumida. Ou será que JCN também quer propagandear o estereótipo da família perfeita, com um pai trabalhador, uma mãe caseira e um rol de filhos, rosados e a trabalhar a terra de sol a sol?
Mas essa realidade não existe!!! Aliás, já não existe há muito…transmutou-se, alterou-se, sob a batuta da Modernidade.
E relembro Daniel Sampaio quando escreve: “A família é hoje um espaço emocional à procura de novos equilíbrios e que pode revestir as mais diversas formas”.
Não satisfeito com todas estas declarações, JCN continua a dislatar, criticando agora a Educação Sexual nas Escolas, quando é precisamente pelo ensino da mesma que se pretende fazer pedagogia, no sentido da construção de uma cultura preventiva, em matéria de riscos associados às vivências das Sexualidades e se tenta dar um imprescindível contributo para a evolução das mesmas!
Mas para JCN também a masturbação é um comportamento desviante dado que “a pessoa fica cada vez mais agarrada ao prazer e isso distorce a personalidade”… E esqueceu-se, ou não sabe, que também provocava a epilepsia, a esquizofrenia, hemorragias nasais, perda de memória, pelos nas mãos, torção da coluna vertebral, diminuição do braço mais usado e até cegueira… mas tudo isto no século XVIII, quando já existiam cientistas, Tissot nomeadamente, que se preocupavam em tentar estudar e perceber as Sexualidades. E essa era a verdade de então.
Estamos a falar apenas do auto-erotismo, de fundamental importância no conhecimento do próprio corpo e das zonas erógenas e na permanente aprendizagem do processo contínuo que é a vivência das Sexualidades, universalmente considerada, em todos os meios científicos e não só, como uma maneira perfeitamente saudável de as vivenciar nas várias fases da vida.
Pena é que, ao fim de tudo isto, JCN, Professor Doutor, Economista, Engenheiro, Advogado, Médico, Psicólogo, Sexólogo e Teólogo, se tenha esquecido que, quando falamos de Sexualidades também falamos de olhares que se trocam, de gestos que se cruzam, de palavras que não se pronunciam, de cumplicidades que se partilham, de memórias conjuntas, de emoções, de afectividade, de intimidade comungada a dois, de paixão, de amor.
Enfim, pequenos nadas e grandes tudos, próprios de quem se envolve em relação, cheia de significantes e significados, procurando o nada, o tudo, enfim…a Felicidade.
Saberá JCN do que se trata?!...
Eu sei!
Manuel Damas in "O Primeiro de Janeiro"-2005

4 comentários:

FM disse...

Até fiquei sem fôlego... Coitado do JCN... Se por acaso se transformar em Partido vai ter o MC como feroz candidato da oposição... (risos)
Gostei bastante do texto... Parabéns.

Manuel Damas disse...

:)))))))))))))))))))
Eu sei bater...de leve e com força!
:))))))))))))))))

Olá!! disse...

Isto é o que se chama dar "2 coices", ou não?????
Brilhante...

Manuel Damas disse...

Pois...só que aqui a "mula" sou eu!
:)))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))