
“Oh Tio, gosto muito do seu programa de televisão!”, atirou ele, quase venerador.
E eu sorri, embevecido, orgulhoso de ser motivo de admiração daquele jovem de 19 anos, filho de uma prima minha. Tinha-o dito assumindo a postura e o olhar que os jovens utilizam quando querem dizer coisas sérias de forma convincente.
E eu senti-me agradado até porque estava a cumprir a “Pirâmide das Necessidades” de Maslow segundo a qual um dos degraus é a necessidade de apreciação e reconhecimento sociais.
Mas regressemos ao momento...
Sorri de novo, enquanto deixava a mente voar livre, mas, subitamente, estanquei...
Revi os últimos momentos desta breve conversa de preparação para irmos para a mesa na Noite de Natal... Daquelas conversas que todos tentamos encetar nestes momentos de latência e que antecedem outras realidades.
Regressei aos últimos segundos e tornei a ouvir a frase...
“Oh Tio...”
Tio?...
Mas que parvoíce, pensei.
Vou ter que lhe explicar, talvez no fim da ceia, que a expressão “Tio” se usa noutros contextos... Com os tios de consanguinidade, o que não é o meu caso, ou com os tios por afinidade... Também não preencho o requisito. Eu sou primo da mãe dele o que faz na árvore genealógica, segundo as regras de elaboração dos mapas genéticos, com que sejamos primos em segundo grau. Usamos também a expressão “Tio” para um daqueles quarentões, habitualmente parentes afastados que, normalmente admiramos mas com quem não temos afinidade suficiente para um tratamento mais à vontade... e quarentão eu também não sou...
Helas!!!!
Mas eu já sou quarentão! Tenho 46 anos o que significa que estou, inclusive, mais perto de ser cinquentão, do que quarentão, concluí estarrecido!
Mas como foi isto acontecer?
O que se passou?
Como foi que o tempo se gastou e nem sequer reparei?
Pois... Na realidade “o tempo voa” é vox populi e o povo tem sempre razão.
O tempo voou e eu nem sequer me apercebi, tão ocupado que estava em crescer, em ficar grande...
E agora, que já sou grande, ou pelo menos que já tenho idade para o ser, ainda não me habituei a saber gerir o facto... tenho dificuldade em racionalizar a evidência!
Eu até ainda consigo nadar uma piscina de 50 metros, debaixo de água, sem respirar uma única vez, tentei alegar para mim próprio ou para o destino todo poderoso, se isso existe...
Ok, com alguma dificuldade, acrescentei corrigindo, mas consigo!
Que horror...tornei-me “prezado”, com o peso pesado de tudo aquilo que o título significa.
Mas se eu ainda há bem pouco tempo conseguia fazer duas e três directas seguidas, umas para estudar, outras para estar com amigos?!
Há bem pouco tempo!
Há pouco mais de... alguns segundos para fazer contas...
Há pouco mais de 20 anos!
20 anos...
Mais do dobro já tenho eu, mas de idade!
Tenho de concordar... realmente, o tempo da juventude passou, subitamente, repentino, à velocidade do tempo que passa! Com todos os aspectos agradáveis e com todos os inconvenientes, mas passou...
E nem sequer vou tentar contornar as evidências com a suposta alegação de que o que verdadeiramente interessa é a idade mental e não a idade cronológica... é desculpa de mau pagador, para plagiar uma frase que uma antiga empregada usava em todo e qualquer momento e que hoje, modernamente, se chama “bengala de linguagem”!
Está bem, assumo-o, contrafeito.
Mas eu ainda me sinto, tantas vezes, quase uma criança?!
São os mesmos olhos, os mesmos braços, as mesmas pernas, o mesmo rosto de sempre!... E nem os cabelos grisalhos me convencem porque tive cabelos brancos muito cedo, muito antes de chegar aos vinte anos.
Estou mais reflectido, confesso, menos espontâneo, talvez, mas continuo a ser eu...
Não refuto mais... Não tenho poder para conseguir que o tempo volte para trás ou, pelo menos, que reduza uns anos aos anos que já lá vão.
Tenho de aceitar, ainda que não satisfeito, nem sequer convencido.
Mas se a juventude passou, com a adultícia não vai ser tão fácil!
Vou estar bem mais atento!
Vou vender, bem caro, cada momento que passar por mim...
Vou saborear cada sorriso que der e que receber.
Vou aprender a sentir, na totalidade, deliciado, a carícia de um olhar, o barulho ensurdecedor do mar que tanto me inebria, a agressão cortante do frio gélido que me faz tiritar, o cheiro de uma bela flor, o sabor de uma meiguice, o calor do teu corpo contra o meu, da tua mão mergulhada na minha.
Até porque, um novo ano se avizinha e, com ele, cada hora vai passar a ter, rigorosamente, 60 minutos e cada minuto vai ter que demorar um minuto a passar e nunca mais os dias se transfigurarão em ténues, rápidos e fugazes momentos que se diluem na espuma dos dias!
Vem aí um Ano Novo e com ele, tudo mudará... espero e quero acreditar!
Manuel Damas in "O Primeiro de Janeiro" 30/12/2007