quinta-feira, 9 de julho de 2009

MANIFESTO DA MARCHA DO ORGULHO LGBT DO PORTO - 2009




Marcha do Orgulho LGBT no Porto 2009

Há 40 anos, no bar Stonewall Inn, em Nova Iorque, pessoas homossexuais, bissexuais e transgéneras revoltaram-se e pela primeira vez reagiram e defenderam-se dos sistemáticos actos de agressão e opressão das forças policiais. Foi o início da luta pelos direitos das pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais/Transgéneras (LGBT). No ano seguinte, realizou-se a primeira Marcha do Orgulho LGBT – orgulho pela coragem de resistir.

No Porto, a 1ª Marcha do Orgulho LGBT foi impulsionada pelo brutal assassinato de Gisberta Salce Júnior, uma mulher transexual. Estávamos em 2006 e pedíamos “um presente sem violência, um futuro sem diferença”. 2007 foi o Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos. As uniões de facto foram finalmente reconhecidas no Código Penal, sem distinguir casais de pessoas do mesmo sexo e casais de pessoas de sexo diferente. Por outro lado, apesar de muito se ter falado na necessidade de pôr termo à discriminação das mulheres no trabalho, nada se disse, por exemplo, sobre a dificuldade que transexuais e transgéneros têm em conseguir um emprego. Exigimos a inclusão da identidade de género no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa e uma Lei de Identidade de Género.
Porque a igualdade de direitos não é adiável ou negociável, exigimos a cidadania plena para todas e todos.

Ano após ano, lembramos que o Estado tem a obrigação de se empenhar activamente na luta contra o preconceito. Porque a educação é fundamental, exigimos acções de formação anti-discriminação nas escolas, nos tribunais, nos estabelecimentos de saúde, nas esquadras. Em todos os pilares da democracia. Em 2008 congratulámo-nos com as medidas tomadas no âmbito da educação para uma saúde responsável, mas lamentámos o facto de a educação continuar a ter como base um modelo heteronormativo, que não corresponde à pluralidade das práticas familiares do Portugal do século XXI.

Na linha de todos os alertas e reivindicações que temos vindo a fazer, hoje pedimos a todas e todos que façam connosco uma reflexão sobre uma temática transversal e central de todas as sociedades: a FAMÍLIA.
Os argumentos em defesa do que é normal e tradicional são recorrentes quando se fala de famílias que não obedecem ao paradigma 1 homem +1 mulher = filhos. Mas o que é "normal"?

No Império Romano havia escravatura. Era normal. Diversas formas de escravatura são ainda consideradas normais em vários locais do mundo. No entanto, Portugal foi um dos primeiros países a abolir a escravatura, no século XVIII. A pena de morte também é histórica e ainda se aplica em diversos países. Portugal foi o terceiro país a abolir a Pena Capital, em finais do século XIX.
Avancemos para meados do século XX e para as coisas normais do mundo ocidental. O casamento inter-racial era proibido em muitos países, sob a justificação de que iria desvirtuar a instituição do casamento e porque a seguir teríamos o incesto e a bestialidade. Era normal obrigar os canhotos e escrever com a mão direita. Era normal os surdos não terem uma língua própria. Era normal os negros serem obrigados a viajar na parte de trás dos autocarros. Era normal uma mulher primeiro ser propriedade do pai para depois ser propriedade do marido. Era normal as mulheres não poderem votar nem usar calças de ganga. Era normal dizer-se que o preservativo e a pílula iam acabar com a família. Era normal haver filhos em todos os casamentos. Era normal o casamento ser para toda a vida mesmo que as pessoas fossem infelizes.

O normal é o que a maior parte das pessoas faz, ou acredita que se faz, num determinado momento. Não quer dizer que as práticas minoritárias estejam erradas. Aliás, o normal muda com os tempos...

Não se pode negar a diversidade de modelos familiares existente.

Um lar pode ter como núcleo um relacionamento monogâmico entre um homem e uma mulher, entre dois homens, ou entre duas mulheres. Mas também há relacionamentos amorosos responsáveis entre mais de duas pessoas. Assim como há famílias cuja base é a amizade, e não o amor, ou o sangue. Todas estas famílias existem. Umas têm filhos, biológicos ou adoptados, outras não.
O problema é que algumas destas famílias não são reconhecidas pelo Estado, ou são tratadas como famílias de segunda.

Há menos de 100 anos, o casamento normal seria a união entre duas pessoas com a mesma cor de pele, a mesma religião, do mesmo estrato social e de sexo diferente. Permitiu-se a anormalidade dos casamentos inter-raciais, a modernice de casar por amor, a leviandade de não se pensar nos interesses religiosos ou patrimoniais das famílias. Permitiu-se o amor. O casamento passou assim a ser o coroar de uma relação, o querermos que seja “para sempre” (pelo menos até ao dia do divórcio). As pessoas com orientações afectivas ou sexuais diferentes da maioria também cresceram neste país, e é normal que vejam no casamento civil a legitimação e dignificação do amor que sentem por outra pessoa.

E é disso que falamos: de amor.

Nem todos temos o desejo de encontrar a alma gémea, casar e ter filhos. Mas quem tem esse sonho deve ter igualdade de acesso ao casamento civil. Todos devemos ter o direito de escolher o modelo de família com que mais nos identifiquemos, e o estado tem de dar as mesmas oportunidades a todos e todas.

É urgente que o Estado reconheça o direito à igualdade para todas as pessoas, para todas as famílias. É necessário que ninguém seja discriminado. Somos uma sociedade diversa. Sejamos verdadeiramente inclusivos.

Por tudo isto marchamos e afirmamos:

“Na felicidade e na dor, o que faz a família é o amor!”




“Não estamos a legislar, meus senhores, para gentes remotas e estranhas. Estamos a ampliar as oportunidades de felicidade dos nossos vizinhos, dos nossos colegas de trabalho, dos nossos amigos e dos nossos familiares, e desse modo estamos a construir um país mais decente, porque uma sociedade decente é a que não humilha os seus membros.”

(discurso do Presidente do Governo Espanhol na Câmara dos Deputados, 30 de Junho de 2005 – dia da aprovação da reforma do Código Civil espanhol que passou a permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo)

10 comentários:

Unknown disse...

Li com atenção, prazer, angustia, preocupação, e mais um enorme conjunto de emoções todos os comentários que têm sido feitos neste cantinho de afectos. Não me vou alongar, apenas para dizer que sou mãe, e a minha primeira e última preocupação é que a minha menina seja feliz, independentemente da sua orientação sexual. Isso é o que menos me interessa. A repulsa que muitos sentem na possibilidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo, a luta primeira da marcha,deixa-me envergonhada como ser humano.
Podia dissertar sobre tantos exemplos de casais convencionais, onde existe tudo menos amor...bom deixemo-nos de considerações ocas e sem sentido. Todos temos direitos e deveres. E nessa cartilha civica, não me parece que quem casa com quem seja importante. Importante é construir uma sociedade clean.

Felicidades para todos, sem reservas.

Sandra T disse...

Parabéns, o texto é lindo!
De facto a ignorância gera preconceito, as pessoas temem aquilo que desconhecem e transformam esse desconhecimento em ódio. Por outro lado preferem desconhecer porque lhes é mais cómodo.
Quem ousa ser diferente sofre e geralmente nós não nos queremos incomodar com quem sofre, é melhor fazer de conta que não existe.
Em que é que eu, heterossexual, sou prejudicada pelo amor ou pelo casamento homossexual? Em que é que isso me afecta? (Não estão a reivindicar subsídios especiais do estado,ou da União, pois não??:)
É preciso percebermos que o mundo vai mais além do que a "nossa quinta" e que não somos ninguém para impor aos outros como ou quem amar.
Eu acredito que a sociedade está em evolução no sentido da integração, da tolerância, pelo menos são estes os valores que quero passar ao meu filho.
Boa marcha e parabéns pela coragem!

Manuel Damas disse...

Um beijo enrome, Zeuzinha...e lá estaremos!

Manuel Damas disse...

Um beijo grande Sandra.

LU disse...

Apesar de ler, desde há algum tempo este blogue, nunca deixei aqui nenhuma opinião e, por conseguinte,nunca fiz nenhum comentário.Mas, desta vez, e como mãe de três filhos, não consigo evitar de deixar aqui o seguinte comentário:
o que importa é as pessoas se sentirem felizes,realizadas, respeitadas, com os mesmos direitos e deveres, independentemente da sua raça,credo ou orientação sexual.
Estamos aqui todos de passagem, porque não viver e deixar viver?Será assim tão difícil?
Tentemos ser felizes e deixemos os outros também o serem, cada um à sua maneira.
O Amor não tem cor, não tem bandeira, não tem sexo. o Amor é de todos.
Don´t make war, make love!

Manuel Damas disse...

Seja bem vinda, Lu.
Obrigado pela sua declaração.
Seria a declaração racional, de uma qualquer pessoa racional, sendo este um País racional.
Assim não sendo, tenho que lhe agradecer a lucidez opinativa e, acima de tudo, a coragem de a verbalizar.
Obrigado!
Volte mais vezes!
Este espaço necessita de opiniões corajosas, legítimas e sentidas.

macaw disse...

Bem, já cá não vinha há algum tempo...
Quero apenas deixar aqui registado que apoio a Marcha este sábado! Espero que a maioria adira sem medos e que se consiga aos poucos mudar a mentalidade de certas pessoas que pensam que a homossexualidade é uma doença que pode ser curada por Deus! Enfim! Tantos disparates se dizem acerca deste assunto que nem vou comentar! É simplesmente um absurdo e tão desumano que se faça tantos e tantas sofrerem!
Sinto um amargo na boca ao recordar a angústia de uma pessoa muito próxima por causa da ignorância dos outros...!

Um Muito Obrigada sincero por defender esta causa sem medos e não desistir! :)))))

Boa Marcha este sábado!!!!

bjinhos ;)

Manuel Damas disse...

Um beijinho enorme, maczinha e um sincero obrigado por esse apoio vindo dos lados ingleses!
:))))

navegadora disse...

É com estes farois que o caminho vai ficando iluminado. São pessoas assim que fazem agitar as àguas,que tiram do marasmo as sociedades. Obrigada pela partilha, parabéns pelo apoio dado aos que estão em minoria. Força e boa Marcha.

Manuel Damas disse...

Obrigado Navegadora e um beijo enorme.