domingo, 2 de dezembro de 2007

ASAE DE NOVO...


Já aqui escrevi sobre as Bolas de Berlim das praias da minha infância... quentes, estaladiças, com um delicioso recheio amarelo, doce e espesso.
Também aqui escrevi, posteriormente, sobre o medo de que idêntica perseguição às saborosas castanhas assadas outonais e respectivos assadores de rua se concretizasse.
Afinal a situação alastrou, mas aos mais diversos domínios.
Raciocinemos em conjunto.
O restaurante do António, um dos muitos Antónios deste País, anónimo e esforçado, sobrevive à custa de muito trabalho, especialmente em época de crise.
Tornou-se um restaurante conhecido e de confiança!
Tem, actualmente, uma dezena de empregados, já com dez anos de casa, o mais recente. Já lá trabalham dois irmãos e até um pai e um filho...
É um restaurante quase familiar! Apresenta uma ementa séria e sóbria, sem grandes ambições, apenas preocupada em servir com qualidade... já se tornou conceituada nas redondezas. Principalmente porque a confecção é tipicamente caseira sendo este o principal objectivo e uma realidade.
A canja de galinha dominical já granjeou fama e adeptos fixos.
Deliciosa!
Pudera... só usa produtos naturais, caseiros, sem químicos nem conservantes.
É a mãe do António que, lá na terra, há mais de vinte anos “faz criação”, como ela diz e assim fornece a cozinha do restaurante. É uma mulher séria e responsável e as aves ficam saborosas, suculentas, amarelas, fazendo corar de vergonha os frangos pálidos e esbranquiçados, quase anémicos, à venda nos hipermercados das nossas cidades.
Também o Joaquim, chefe de sala, fornece o restaurante com as alheiras que, todos os meses, religiosamente, traz de Mirandela, curadas e tratadas através de técnicas ancestrais com origem lá muito para trás, onde os tempos perdem a data. Ainda é a avó dele que as faz, seguindo uma receita transmitida de geração em geração.
E o chouriço, o paio, o presunto e os enchidos que o Carlos vai buscar todos os meses a Chaves, especialidades da sogra e que fazem as delícias de quem aprecia os petiscos fumados e que, fatiados, propiciam um momento gastronómico único?!
Pois...
Todos estes prazeres vão acabar, com o argumento oficial e gélido da “falta de condições higieno-sanitárias e técnico-profissionais”, ditadas do alto da sua sapiência, pela ASAE.
Estes são alguns dos exemplos que se pretendem alterar.
Mas não ficamos por aqui...
Com esta visão distante e distanciada, burocrática e fria, anónima e oficial termina a ginginha servida a copo e cantada por Amália mas também os pastelinhos de bacalhau, vendidos nas tabernas por este Portugal fora e que foram imortalizados na voz de Hermínia Silva.
Mas há mais...
Por vezes encomendo à minha empregada doméstica rissóis, croquetes, bolos de bacalhau e empadas. Ela compra os ingredientes, cozinha e traz tudo pronto. É uma prática solução para uma urgência, visitas inesperadas ou até uma ceia tardia.
Pois... mas também isso vai acabar.
Habitualmente quando vou jantar a casa de amigos levo “um agrado”...
Por vezes opto por um bolo.
Mas o transporte do mesmo é informal, no meu carro.
Pelo que sei, também isto passa a não ser possível, porque o transporte tem que ser refrigerado, estanque e profissionalizado.
Tudo isto está a mudar e tudo isto vai ter que mudar... dizem! Se os portugueses permitirem, obviamente...
Assim, acaba uma boa parte dos prazeres da vida!
Acabam os tremoços e as azeitonas, vendidos à colherada e tirados de grandes potes de barro!
Acabam as “compotas da avozinha” e os doces conventuais da tia-avó! Acabam assim, de uma assentada, os papos de anjo, os brigadeiros, as tigeladas, tudo artesanal e caseiro!
Acaba a Bôla de Lamego!
Acabam as sandes de leitão, típicas da Mealhada!
Acabam as farturas e o algodão doce das feiras e romarias!
Acabam as papas de sarrabulho e todas as comidas confeccionadas com a colher de pau porque a própria adquiriu o estatuto de foragida... metal ou plástico, quando muito!
Acaba a açorda, porque é feita com pão antigo e isso não é higiénico...dizem!
Acaba a picanha e todas as outras carnes fatiadas ao minuto, em cima de cada mesa!
Acaba a espetada de carne madeirense que, normalmente, ficava a acabar de assar no espeto em frente aos comensais, ambos a babar em simultâneo... a carne a libertar a última gordura, o cliente a babar apetite sôfrego!
Acaba o bolo-rei com o brinde dentro, e que fazia a delícia das crianças... não é higiénico!
Acaba o café em chávena escaldada, porque as chávenas de louça acabam, como acabam os copos de vidro, nomeadamente os de fino, tão portuenses. Tudo subjugado à ditadura do plástico descartável!
Acabam as provas de vinhos, nas Caves de Vinho do Porto, a não ser que se abra uma garrafa de cada vez que um turista fizer uma prova!
Acaba o “Oh vizinha, empreste-me uma chávena de arroz!”, porque não vai correctamente acondicionada!
Mas...
Helas!!!
Acabo de vislumbrar uma réstia de esperança...
Sim!
Isso sim!
Talvez isso e apenas só isso faça cair o ministro da Economia e da Inovação, Manuel Pinho, a cuja tutela pertence a ASAE e todas as suas diatribes higieno-sanitárias.
É que a cumprir escrupulosamente a legislação...acaba a hóstia!
Sim...acaba a hóstia, na Missa!
Porquê?
Porque a hóstia não vem etiquetada!
Porque a hóstia não vem datada!
Porque a hóstia não vem conservada!
Nem refrigerada!
Nem em embalagem individualizada, plastificada ou com a identificação da proveniência!
E não me venham com “regimes de excepção”!
Afinal, acabo de descobrir que estas medidas não vão longe nem, talvez, o ministro.
Porque vão acabar, não tendo, sequer, começado...
Acabam?!
Mas acabam graças a quem?
Graças a Deus!
Manuel Damas in "O Primeiro de Janeiro" a 2/11/2007

8 comentários:

Olá!! disse...

Incrivel sim Prof...
Mas às "multinacionais" da comida a martelo ninguém vai... e é vê-los a "engordar" e a "envenenar" o nosso povo....
Só de ver as motas de entrega de Pizzas fico com vómitos pelo que prefiro nem pensar no resto...
Pena o Asae não começar por ai...
Bom domingo Prof

Manuel Damas disse...

Subscrevo.Um grande beijinho e um bom dia domingo para si também, "Olá!"...
:)))))))))))))))))))

FM disse...

Acabei de ler no Jornal e... Concordo.
Parabéns pela forma expressiva como está escrito.
Que nos salvem da ASAE, Graças a Deus.

Manuel Damas disse...

Obrigado Francisco...e Bom Domingo!
:))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))

Ricardo disse...

Adorei a forma como escreveu.

Um dos maiores prazeres gastronómicos que tenho é comer um franguinho de cabidela, daqueles em que a vizinha diz: "ainda há duas horas cantava".

Manuel Damas disse...

Obrigado Ricardo.
Uma boa semana!

joana disse...

excelente cronica professor

Manuel Damas disse...

Muito obrigado, Joana.
Beijinho bom!
:)))))))))))))))))))))))))))))