sábado, 15 de dezembro de 2007

UM OUTRO QUASE-CONTO DE NATAL...


Passa um rosto, envolto na multidão.
Um rosto, igual a tantos outros rostos, no meio da multidão.
Um rosto com olhos, com nariz, com boca!
Mas um rosto...
Chorado,
Sofrido,
Suado,
Perdido...
Perdido num passado de onde não consegue descolar, por medo da vontade de ter tempo.
Cruza-se com outro rosto, envolto na multidão.
Um outro rosto, igual a tantos outros rostos, no meio da multidão.
Também este um rosto com olhos, com nariz, com boca!
Mas um outro rosto...
Também chorado,
Também sofrido,
Também suado,
Também perdido...
Também este perdido num passado de onde não consegue descolar, por medo da vontade de ter tempo...
E, também, por medo de vir a saber o que não quer saber mas suspeita!
Cruzam-se, os rostos, na multidão.
Ambos chorados.
Ambos sofridos.
Ambos suados.
Ambos perdidos.
Presos a uma realidade que não pediu para existir, mas que existe e é...diferente!
Com todas as diferenças que a diferença implica.
Com todas as diferenças a que a diferença obriga.
Com toda a diferença que obriga a indiferença a fazer valer o seu majestoso poder...o poder de olhar sem ver.
Cruzam-se, os rostos, na multidão e cruzam-se, também, os passados ancorados e os presentes com as dúvidas, sempre presentes, de que exista um futuro para estes rostos perdidos na multidão.
Agora que se cruzam, os rostos, na multidão, os olhos, que fogem, permanentemente amedrontados, param e olham...Olham à volta, em volta e para dentro.
E vêem!
E sorriem!
Sorriso tantas vezes de esgar feito, tantas vezes repetido sem significado, nem significante, agora com um motivo, uma causa e uma consequência.
Acima de tudo...com uma identidade!
A identidade comum da diferença!
Com a esperança de que ainda haja tempo para que se torne indiferente.
E um rosto e outro rosto...
Que antes foram...
Rostos, no meio da multidão,
Chorados,
Sofridos,
Suados,
Perdidos,
Caminham, agora, lado a lado, na esperança, ténue, de poderem continuar a caminhar lado a lado, partilhando um passado de que não se conseguem soltar, tentando viver um presente de momentos que logo se tornam recordações e, acima de tudo, esperando que o tempo lhes dê tempo para terem esperança e, acima de tudo, direito...já não à diferença, porque essa mesma cansou-se de esperar e foi embora mas, com esperança, de ainda terem tempo para terem direito à indiferença...
A indiferença que vê a diferença mas nela não reconhece mácula, nem pecado.
A indiferença que vê a diferença mas a ela não atira o silêncio e o desdém.
A indiferença que vê a diferença com uma carinhosa indiferença porque, todos temos direito à indiferença, mesmo os mais diferentes.
Manuel Damas in "O Primeiro de Janeiro" a 16/12/2007

8 comentários:

Anónimo disse...

mais uma vez, palavras bem escolhidas, com significado sem dúvida!é sempre bom lê-lo!

Manuel Damas disse...

Obrigado, Patrícia.
Um beijito e bom domingo!

FM disse...

Enganei-me no local do comentário... Sorry! É o que faz ler todos primeiro e depois escrever... Mas também gostei do outro texto.

Manuel Damas disse...

Será PDI Francisco?
É um bocadinho novo...digo eu!
Já agora...o que foi feito da rata que tricotava?

joana disse...

Professor,foi das cronicas,que mais gostei até hoje,excelente.Parabens

Sunshine disse...

"A indiferença que vê a diferença com uma carinhosa indiferença porque, todos temos direito à indiferença, mesmo os mais diferentes."
Este é um verdadeiro conto de Natal de hoje. Li-o e reli-o, gostei e gostei ainda mais.
Quem me dera saber escrever...

Manuel Damas disse...

Obrigado, Joana.
Um beijinho muito grande.

Manuel Damas disse...

CC...não seja modesta.
Eu sei que a menina sabe!
E quanto...
:)))))))))))))))))))))))))))))))))))))))