domingo, 4 de março de 2007
CASAMENTO HOMOSSEXUAL
Código Civil opõe-se à Constituição Portuguesa no que respeita ao casamento
“Desconstruir conceitos”
Mudar conceitos que foram construídos ao longo dos tempos precisa de formação e informação. É o sexólogo Manuel Damas que o defende a O PRIMEIRO DE JANEIRO. E, para além da mudança de mentalidades, é preciso que a lei mude. Código Civil e Constituição terão que concordar.
Isabel Fernandes (textos)
Em Portugal, o casamento é proibido a casais do mesmo sexo por um único artigo do Código Civil, que define o casamento como «um contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente». Para que tal proibição – discriminação, dizem mesmo os defensores do casamento civil entre homossexuais em Portugal – deixe de existir é preciso que se mude o Código Civil. E os defensores desta mudança asseveram mesmo que aquele artigo, o 1577º, opõe-se à Constituição Portuguesa, que proíbe explicitamente a discriminação com base na orientação sexual. E mesmo numa sociedade conservadora como é ainda a portuguesa – apesar de por vezes demonstrar que outros valores falam mais alto do que esse conservadorismo – é preciso dar igual direito às pessoas, “permitindo que dois indivíduos que se amam tenham o direito a vivenciar os seus afectos” e se quiserem fazê-lo através do que se convencionou chamar casamento, então é isso que deve acontecer a coberto da lei. “E esta ligação formal [o casamento] tem a obrigação de estar disponível para quem ama e a quer usar, sem condicionantes”, de sexo, ou de outro tipo. O especialista em Sexologia Manuel Damas falou a O PRIMEIRO DE JANEIRO sobre o tema, numa perspectiva ampla que ser especialista (médico, professor universitário e sexólogo) lhe confere. Mas também como pai, Manuel Damas não tem dúvidas de que “é preferível duas pessoas que se amam, casadas e felizes, do mesmo sexo, do que duas de sexo diferente, permanentemente foco de tensão, de discussão, de desrespeito, de violência, física ou psicológica”.
Desconstruir
Para o também professor universitário, o casamento entre homossexuais é um dos temas fracturantes da modernidade, “apenas, pelo peso do «imprinting» sócio-cultural e do «background» familiar”. “E isso são conceitos apreendidos”, que podem ser desconstruidos através da formação e informação. O especialista considera, então, que é tempo de se discutir o tema. Aproveitando o exemplo do recente referendo à interrupção voluntária da gravidez, onde ganhou o «Sim», Manuel Damas lembra que “em certos aspectos, se tem vindo a assistir a uma concreta vontade e capacidade de mudança, no sentido da evolução”. A esperança reflectida por quem aguarda que “este processo [o da discussão e legalização dos casamentos «gays»] seja construído com abertura, tranquilidade mas, acima de tudo, com maturidade e dignidade”. E o especialista que escreve para o SETE semanalmente não tem dúvidas de que “a solução para um avançar credível da consciência social em termos de sexualidades passa, obrigatoriamente, pela instituição da Educação Sexual enquanto disciplina, em todos os graus de ensino”. Será por este meio que “todas estas questões mais ou menos fracturantes terão que ser abordadas”, para que progressivamente as questões, dúvidas e estereótipos sejam esbatidos.
Ensinar
Enquanto professor, Manuel Damas não poderia deixar de considerar que é nos bancos da escola que as personalidades se formam e onde é possível “seguir o caminho correcto e sério para a efectivação da reforma das mentalidades e para a desconstrução dos mitos gerados por temas fracturantes”. A entrada daquela disciplina – que com duas décadas de atraso começa a «espreitar» enquanto área – no currículo escolar “garantiria ao indivíduo a possibilidade da tomada de decisão esclarecida, a oportunidade de aquisição de conhecimentos, a motivação e as competências comportamentais para a integração da vivência das sexualidades em plenitude”.
E é neste sentido que vai a acção das associações que lutam pela melhoria da qualidade de vida, integração e interacção da população homossexual, lésbica, bissexual e transgender na sociedade, nomeadamente a Ilga Portugal, que lançou uma petição para promover a revisão do Código Civil para que pessoas do mesmo sexo possam ter acesso ao casamento civil. A iniciativa teve o apoio do PortugalGay, mas nada mudou. Nem sequer a agenda dos vários partidos políticos com assento parlamentar. E no campo político, apenas a Juventude Socialista, Bloco de Esquerda e o Partido Ecológico «Os Verdes» têm demonstrado algum empenho.
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Conservadores
Um mito...
O sexólogo Manuel Damas considera o conservadorismo que tem caracterizado a sociedade portuguesa “um mito”, lembrando “a benéfica progressiva laicização” dos portugueses e que ficou provada pelo «Sim» no referendo ao aborto. O que para o sexólogo significou a vitória da mulher porque “quem venceu não foi a posição mais conservadora mas sim a mulher, em dignidade e, acima de tudo, a sociedade portuguesa, que cresceu em maturidade”. Não obstante o optimismo de Manuel Damas, os portugueses são, dos europeus a 25 (os membros que compunham a UE no fim do ano passado), os que menos concordam com o casamento entre homossexuais. O estudo revelou que dos 995 inquiridos em Portugal entre 6 de Setembro e 10 de Outubro de 2006, apenas 29 por cento concordam com o casamento entre pessoas do mesmo sexo, enquanto que a média da UE sobe para 44 por cento. São também os portugueses os que mais se opõem à adopção de crianças por aqueles casais.
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10 comentários:
Onde foram publicados os textos de Isabel Fernandes?
No "O Primeiro de Janeiro", págs. 14 e 15.
hum o "homenzito" até sabe o que diz de vez em quando...:-)
homenzito????Eu????....Bem....E logo eu que ainda não comecei a corrigir o seu exame... :P
Não sei se é conservadorismo ou pura estupidez, o que invade a sociedade portuguesa.
Sei que, no entanto, há cidadãos portugueses que fazem a diferença.
De uma forma transparente, vamos falar do que deve ser esclarecido, debatido.
Professor, não basta ler aqui e ali, a sua opinião, é necessário que se faça ouvir!
Que a sociedade conheça e discuta um assunto que é de todos.
"Primeiro estranha-se, depois entranha-se".
Chega de ignorância, só o é quem continua a fazer que não vê, a fazer que não ouve.
Obrigada, professor por todos os dias me mostrar que posso estar errada mas encontrar um caminho correcto, obrigada por me fazer duvidar de coisas que sempre considerei correctas ... consigo, aprendo todos os dias.
Obrigada.
Grande PRIMEIRO DE JANEIRO, e eu que nem sou suspeita....ehh, ehh
Obrigado, Cristina. Acredite que há momentos em que uma voz amiga, diga o que disser, só por estar, já sabe muito e muito bem!
Obrigado!
Sinto, e espero não estar a ser megalómano Maria José, que "O Primeiro de Janeiro", do alto da sua merecida e digna ancestralidade, tem-se vindo a "refrescar" um pouco!
Se eu tiver ajudado, um bocadito que seja, a esse processo evolutivo, dar-me-à um enorme orgulho, especialmente por ter sido o jornal através do qual aprendi a ler.
Um trabalho gigantesco que urge fazer. Mudança de mentalidades.
Um trabalho hercúleo, tb...E demorado! E cheio de de atalhos complicados!
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