sábado, 9 de fevereiro de 2008
OS SENHORES DA GUERRA...
Era uma bela flor, pousada que estava no chão da estrada, entretida com um qualquer grão de areia.
Não tinha sido atirada...
Não tinha sido deixada cair, esquecida, abandonada, desprezada, por uma qualquer mão anónima...
Não!
Nada disso!
Estava estendida, dolente e lânguida, deleitada, espraiada e esparramada, oferecendo-se ao Sol.
Era uma bela flor multicolor, de tons vivos e brilhantes, semelhante a um arco-íris, de mágicas cores, como só as belas flores multicolores conseguem ter.
Deitada parecia sorrir para a paisagem, brincando com o horizonte...
Estava sol e o dia tinha nascido claro, luminoso, musical, glorioso.
Nada parecia poder perturbar a harmonia graciosa e bela que se tinha instalado.
Era uma manhã feliz...
Os pássaros cantarolavam.
As nuvens bailavam, tranquilas.
Uma brisa, ténue e suave, quase doce, ondulava, romântica, acariciando tudo e todos.
E a bela flor continuava, pousada que estava no chão da estrada, entretida com um qualquer grão de areia.
Ao fundo, lá bem ao longe, muito para além de onde o horizonte perde o nome e os olhos começam a lacrimejar com o esforço, começou a desenhar-se um fio, primeiro, um ligeiro traço negro, depois, transversal e discreto.
E o traço foi avançando, rasteiro, traiçoeiro, crescendo, alongando-se, ganhando consistência, escurecendo.
Começou a sentir-se um ruído que vindo de longe, bem longe, lentamente aumentava, cadenciado, ritmado, martelado.
Trum-tra...
Trum-tra...
Trum-tra...
E a bela flor continuava, pousada que estava no chão da estrada, entretida com um qualquer grão de areia.
O tempo vai passando e o ruído vai crescendo, avançando, invadindo o ar, abanando a planície, estendendo-se a todo o horizonte, quente, seco, sufocante.
Trum-tra...
Trum-tra...
Trum-tra...
Tudo vibra, agora, de forma ritmada, cadenciada, martelada, até o chão de asfalto treme, parecendo com medo.
Trum-tra...
Trum-tra...
Trum-tra...
O barulho avança, cresce, agiganta-se, conquistando espaço mais e mais, entranhando-se na pele, deixando um cheiro fétido, um sabor acre.
Trum-tra...
Trum-tra...
Trum-tra...
E a bela flor continua, pousada que está no chão da estrada, entretida com um qualquer grão de areia.
Alheia...
De súbito tudo escurece, o ar invadido sem licença, por uma força grande demais para ousar resistir.
Primeiro chegam os rodados dos camiões com armas e munições.
Trum-tra...
Trum-tra...
Trum-tra...
Logo depois o cardado negro das solas das botas negras dos homens, negras de fúria, batem no chão em negro uníssono, produzindo um som ritmado, cadenciado, martelado.
Trum-tra...
Trum-tra...
Trum-tra...
Passam todos, em frente, sem ver, sem olhar, sem querer saber.
Calcam...Trum!
Pisam...Tra!
Esmagam...Trum!
Esborracham...Tra!
Sem ver, sem olhar, sem querer saber.
É a fúria negra da massa humana transformada em máquina de guerra, em monstro de ataque, em besta de sete cabeças e milhares de tentáculos.
É a força, em massa, do Senhor da Guerra.
Trum-tra...
Trum-tra...
Trum-tra...
Tudo sorvem.
Tudo estragam.
Tudo levam.
Tudo esmagam.
Trum-tra...
Trum-tra...
Trum-tra...
De repente, desaparecem, de novo famintos, de novo sedentos, já à procura de uma próxima conquista.
Desaparecem e com eles levam o sorriso das crianças, o cantarolar dos pássaros, o bailado das nuvens.
Para trás fica o silêncio e o Nada!
Um enorme, vazio, silencioso e assustador...Nada!
Para trás fica também a bela flor...
Continua, pousada que está no chão da estrada, entretida com um qualquer grão de areia. Melhor dizendo, fica o que resta dela, já não bela, já não pousada, ainda no chão da estrada mas agora rasgada, sangrada, dilacerada, esmagada, rebentada que, de entretida que estava com um qualquer grão de areia, não viu chegar os Cavaleiros do Apocalipse e apenas se sentiu esventrada, a esvair-se em cores, outrora multicolores agora exangues.
Manuel Damas in "O Primeiro de Janeiro" a 10-2-2008
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28 comentários:
Picasso?!! Linnndo! é o meu preferido!
Linda descrição! Gostei!
mas, de início, pensei que a primavera tivesse chegado e eu não tivesse dado por ela! :D
bjinhos
Lógico.
Tinha que ser a Guernica.
Um bj
Adorei :) Para alegrar um bocado estes fins de Inverno. As flores não tardam a chegar :p
LINDO! qUASE TÃO BOM COMO A GUERNICA
Meu caro nelito, se eu fosse o Picasso fazia-te uma aparição imediata de 5º Grau!!!
Não se roubam as cores ao Picasso!!!!!!!!!!
Bahhhhhhhhhhhhhhh
E eu adoro flores...
Eu tenho de concordar que achei que me saiu um kito bonito, Zeuzinha...
:)))))))))))))))))))))))))))))))))))))
Eu não roubei nada a ninguém!
Além de que a Guernica não tem cor nas suas atrozes diversas tonalidades de dor!
Tal como a crónica que escrevi cuja única cor é a da flor e, no final, a do sangue esventrado!
Uiiiii...
Estou em fase poética!
Mais um reparo que sei que não me é permitido, mas eu permito-me porque não me apetece interpretar e sentir a hemorragia da tua veia poética!! Primeiro esventra-se depois é que se vê a cor do sangue!!!!!
:P
Asneira docas!!!!
Asneira!!!
Quem te manda a ti, sapatona, tocar rabecão?
Uops...
Logicamente que acima é sapatão, mas não tenho coragem para obrigar os músculos doridos a mais ese movimento!
Ao furares, antes de esventrares, saiem logo jactos de sangue!!!!!
Esventrar é tirar as vísceras!!!
Dahhhhhhhhhhhhhhhhh...
Já sei.
Foi o teu lado feminino a vir ao de cima...
:P
Não havia necessidade de..., é por essas e por outras Manel, que...
Bem, não é a mim que me compete tirar-te os olhos para te fazer ver!
Opssesssss... queria dizer os óculos!
Sempre meiguinho, Sta...
:))))))))))))))))))))))))))
Sou um querido...
:))))))))))
Bem me parecia...
Por acaso,hoje,estive a fotografar flores,do campo,e são tão lindas,selvagens,com vida,sem dono,donas delas mesmas.
Gostei muito da descrição,está fantastica.
Muito obrigado, Joana.
Um beijinho grande e boa semana
Bem, como sempre...
Têm faltado por aqui as suas palavras amigas e eu tenho sentido a falta, Francisco!
Acredite que já li este texto 3 vezes, em diferentes dias, em cada uma das 3 descobri detalhes lindos...
Parabéns, a "promoção" foi merecida.
Beijos
Obrigado, "olazinha"...mas aqui entre nós que ninguém nos lê também acho que foi das coisas mais bonitas que já escrevi...
:)))))))))))))))))))))))))))))))
Nelito, tou farto de te dar bicicletas!!!
Gostava de saber o que lhes fazes, mas não precisas de contar!!!!
Aqui o médico és TU!!!
Sou um velho sensivel, poupa-me a pormenores macabros, ok?
E lado feminino tinha a minha avó, quando estava de costas! Era nadadora!
Mas tu dás-me, docas bicicletas com selim ou sem selim?
E que eu ainda não percebi se é uma prenda ou uma maldição!
:)))))))))))))))))))))))))))))))))
Escolhe que eu dou!!!
É como gostares mais, nelito!!!
Ficarias a saber tanto quanto eu...
:D
Eu não quero saber, eu quero DAR muitas!
Tu é que derivaste na bicicleta!
Vinha eu dar uma opiniãozita e verifico que este blog foi vítima de uma ocupação selvagem: os velhotes saíram do camarote e ameaçam a seriedade deste espaço.
Mas enfim, como andam a dar coisas, aproveito para pedir que passem lá por casa e me deixem um carrito. Pode ser um Maserati. Uma coisinha discreta.
Quanto ao seu texto, lindíssimo.
Não lhe conhecia esta faceta.
Beijinhos
Oh Docas...tu dás as que quiseres e conseguires.
Eu não tenho nada a ver com isso!
:))))))))))))))))))))
Porque você desconfia eternamente aqui do "produto" minha querida "blue"...
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